Momentos (XVI)

Ouço vozes. Vou espreitar. Queres ajuda Mateus? Quero! E lá vou eu. Sem avental ou lenço na cabeça. Esqueço-me sempre do pó, embora ao ar livre. Ai as unhas, que ficam negras.
Sempre que posso, sento-me ao pé deles e recordamos, em cada espiga que vamos desnudando, os tempos das escapeladas. No tempo em que no Lugar havia gentes a sustentar família e o dinheiro existente era ganho com o suor do rosto, haviam muitas courelas plantadas com milho. Nos tempos em que não havia rendimento mínimo garantido, nem pensões de sobrevivência, os grãos de milho eram levados e transformados em farinha no moleiro em Góis ou no do Pisão. Para mais tarde se amassar a tradicional broa de milho. Os de Lisboa, homens e mulheres, malta da minha idade, miúdos, todos ajudavam. Sentados em 'moxos' - uns banquinhos muito baixos usados para estar junto à lareira - ou mesmo no chão à índio, à volta de uma montanha de espigas, hoje aqui, amanhã ali, outro dia acolá, era uma tarefa muito agradável para executar nos dias de férias. As estórias que iam sendo contadas, as gargalhadas atiradas ao vento, um toque de concertina ou de gaita de beiços, um milho roxo que saía e uns abraços a seguir ... ai céus, tempos que foram e não voltam. Acorda menina, já não é assim, a vida muda, menos a vida do milho. A vida do milho é uma canseira, desde que o grão é lançado à terra até ao dia da colheita. Muitas idas e voltas, muitas regas, muitas sachadelas. E ele vai crescendo. Verdinho. Por entre ele, plantam abóboras, que vão engordando, cor de laranja. Aparecem as primeiras formas de espigas. Uma ou duas por milheiro. Depois de formadas as maçarocas, todo o campo vai ficando cor de palha. Mais dia menos dia, finais de Agosto, meados de Setembro, começa a colheita. E as espigas vão enchendo as canastras. E as canatras vão enchendo sacas. E as sacas são despejadas para retirar-mos as capas às maçarocas. Mais uns dias e é vê-las espalhadas na eira ou nalgum terraço, ao Sol, a secarem. Termina aqui o meu contributo. Malhar o milho, iso nunca experimentei. Mais tarde vem uma broa de oferta, em troca da ajuda :) Uma mão lava a outra e as duas lavam a cara. É assim que por lá dizem.

2 comentários:

Cris disse...

Que lindo momento, es bueno recordar tiempos pasados y haber podido ayudar a Mateus. Las fotos, lindísimas. Cómo quedaron las manos?
Un beso grande

Guidinha Pinto disse...

Las manos quedaron negras :)
Lamento se escrevi erros.
Obrigada Cris, por comentar.
Beijo