Eu não imagino um mundo sem pássaros

A piscina do Nora Velha deveria já estar preparada para os primeiros veraneantes chegados no último fim de semana de Maio, como nós. Mas não. Tinha sido arranjada e pintada. Só daí a 8 dias estaria em condições de ser enchida de água. Ficámos desiludidos, claro. A nossa «hidro-ginástica» seria adiada e menos sessões faríamos este ano. Chegávamos à janela e ali estava, aquele enorme buraco azul, rodeado de arvoredo e jardim onde pardais e melros fazem os seus ninhos. No cimo dos prédios, junto à beirada dos telhados, imensos ninhos de andorinha. Mais ao longe, numa das chaminés de Tavira, um par de cegonhas e um filhote.
Uma das características que nos agrada naquele local, é a enorme quantidade de sons vocais dos pequenos alados que em círculos, voam mesmo à nossa frente. Imensas andorinhas sobrevoam manhã cedo ainda alvorada, e ao entardecer, aquele buraco azul, sem voos rasantes porque não há água. Os mais pequenotes que ainda estão nos ninhos, produzem enorme algazarra, sempre de bicos abertos, que observamos ao olhar para cima, dentro dos ninhos colados à beirada dos telhados. Ao fim da tarde os júniores treinam as asitas, gorjeando bem alto. As rolas começam cedo o seu «tuterruuuu», empoleiradas nos pontos mais altos da quinta. Os melros, aos casais, assobiam cantam e ouvem-se ainda noite e durante toda a tarde, mal abranda o calor.
Se houvesse piscina a funcionar, para além dos banhos, teríamos observado as andorinhas nos voos rasantes a molharem os bicos. E os pardais que em voo baixo e desajeitado poisam e vão aos pulinhos até à borda da piscina para molharem o bico e esticarem o pescoço para cima, quais galinhas a beberem água. Não mostram receio, mesmo que estejamos estendidos ao sol pois estão no seu meio ambiente e ninguém os molesta. As rolas são mais medrosas e só aparecem quando o recinto está sem ninguém. Os melros, não se atrevem ou não gostam do sabor do cloro.
Perdemos este espectáculo.
Ora de vez em quando Marido ia à varanda a olhar a saudosa piscina. Uma das vezes, cerca das quatro da tarde, reparou que dentro daquele buraco azul, enorme, vazio de água estava um pássaro, caído. Confirmou quando fez zoom com a máquina das fotos e clicou. Ele ouvia-se piar! Chamou-me. O sol do dia 31 de Maio estava forte. A sombra na piscina era o seu refúgio. Fazia-nos doer o coração olhar para aquela criaturinha tão pequena e frágil, que deve ter caído por treinar os seus primeiros voos de júnior por conta própria. A força do vento deve tê-lo feito baixar, porque ventou muito naquela tarde e depois não conseguiu elevar-se para sair da «ratoeira». Cada vez mais se tornava audível o seu piar angustiado e nós nada podíamos fazer. Que inquietação. A porta de acesso ao recinto estava fechada. O zelador da piscina não andava por ali. De vez em quando espreitávamos da janela do apartamento e continuava a estar e a piar. O tempo ia passando e nós sem solução à vista.
Até que houve mais uma vez em que o procurámos com o olhar e já não estava. Tinha conseguido levantar voo. A luta pela sobrevivência venceu. Este foi concerteza o seu primeiro teste e tinha-o superado. A vida, ai a vida é o nosso bem mais precioso.
Até quando? Não havia garotos connosco, a fazerem perguntas. Senão, eu teria de me lembrar de qualquer coisa e explicar que «A maior parte dos pássaros, explicou o pai, (…) vivem muito pouco tempo se não morrem logo à nascença, há os que emigram no Inverno para países mais quentes, os que não conseguem executar a viagem e se ficam no caminho, os que os machos e as corujas devoram se os pilham atrasados ao entardecer, retardatários, a tentar escapar à noite a caminho da mata.»*
É muito breve e árdua a vida de um passarinho.

*In A. Lobo Antunes - Explicação dos Pássaros, 1981(pp. 72-73)

2 comentários:

Elvira disse...

E alô. Li toda a tua descrição, vi as belas fototografias, e fiquei com pena que não tivessem usufruído da "vossa" piscina o tempo todo. Ficará para o ano! Beijinhos.

Guidinha Pinto disse...

Obrigada Elvira.
Beijo