Foi há dias


Era meia noite e qualquer coisa quando me lembrei que tinha uma máquina de roupa para estender. Lá teria que ser. Apaguei a televisão. Estava tudo em silêncio neste meu sítio. O sono não vinha e o calor ainda estava instalado dentro de casa. Abertas as janelas, corridos os estores há umas horas e nada parecia estar mais fresco. Já Marido e Bi adormeceram há que tempo. A mim, o joão pestana visita-me sempre muito tarde.
Acendi a luz, tinha de ser. Levantei os estores devagar. Ai as melgas!, pensei. Mas que bom lá fora! Lá fora é que apetecia estar. Deixei-me ficar de braços cruzados sobre o parapeito, a imaginar. Se fosse a conversar seria óptimo.
Lembrei os tempos idos e a tagarelice das vizinhas. Se hoje ainda se usasse estar nas ruas, ou sentados às portas ou às janelas a tagarelar com os vizinhos, decerto o sono viria naturalmente e iríamos mais frescos para a cama. Hoje, nas cidades grandes, tudo ou quase tudo se modificou. Fecha-mo-nos a sete chaves e vivemos muito mais sós.
Inspirei os aromas da noite. São a minha companhia na tarefa que me aguarda. Aromas que cérebro adentro me despertaram uma sensação fantástica de déjà vu!. Lá fui estendendo a roupa, peça a peça bem esticadas, duas molinhas da mesma cor a segurá-la no estendal, a noite escura iluminar-me, a ver se me lembrava. Meia dúzia de luzinhas das casas em frente, mas afastadas, eram o sinal de ainda gente a pé, como eu.
Fui sentindo mudança no tempo e veio uma brisa quase tropical - fresca mas húmida. Mas onde é que eu já vivi isto? Aquele aroma, um pouco a maresia, apanhou-me desprevenida. Mas levou-me a outras latitudes. Luanda e as noites de calor à espera do sono, pai e mãe a tagarelar com a vizinha Alexandra que esperava o marido Sr. Fernandes, que tardava a chegar!
Fui e vim num quarto de hora. Tão fácil. Tão bom. Dei por mim a trautear, baixinho, «brinca na areia, na areia, na areia ...». Ora esta!
Terminei a tarefa. Estava cansada fisicamente. Adormeci com esse aroma, esse ir até aos confins da memória e senti-me bem.
No dia seguinte, o «brinca na areia» ainda estava por aqui. Pois. Tenho o single, oferta da tal D. Alexandra, vizinha do lado muito querida, lá da Salvador Correia, em 1969. Está guardado como uma relíquia, entre outras relíquias em vinil. Não iria buscá-lo. Grande e desafiadora seria a trabalheira de subir o escadote quando estou sozinha em casa. É coisa que recuso fazer. Mais fácil foi entrar no Youtube e procurar. Quem sabe, talvez encontrasse essa musiquinha que encerrou o meu dia anterior como um dia feliz.
A tecnologia e a partilha das coisas boas na Internet, existe. As más, não as procuro. Quando vêm ao meu encontro, mando-as directamente para o caixote do lixo.
Aí está ela. Encontrei-a. Partilho. Espero que apreciem.

Tenham uma boa 2ª. feira.

(Escrito em 27 de Junho 2011)

1 comentário:

Elvira disse...

Nunca nos esquecemos, principalmente, das boas recordações, por mais "velhas" que sejam. Elas, por um motivo ou por outro, surgem na nossa mente, apanhando-nos de surpresa, às vezes. Gostei de ler este trecho e de ouvir a musiquinha. Beijos, fiquem bem.