As diversas «primeira vez» e os enredos da memória




Por ter ouvido esta canção na telefonia, a minha memória levou-me lá atrás, no tempo, há muitos anos, enquanto a ouvia no Youtube.
Foi um dia de férias grandes de 1968. Eu apresentei-me de mala na mão e um documento na outra a um homem fardado, no aeroporto de Figo Maduro. Ia fazer uma viagem num avião quadrimotor da força aérea portuguesa (o meu baptismo de voo), cheio de tropa para a guerra colonial e de mais uma dúzia de miúdos como eu. Com apenas 15 anos, outros mais novos, poucos mais velhos.
Lá dentro, atribuiram-nos os lugares sentados de frente. Os tropas, em grande algazarra, iam atrás, sentados de lado. Cantavam e cheirava a broa e a chouriço. Eu olhava os motores com curiosidade e as núvens e o mar. Até que mandaram pôr os cintos. Já teríamos chegado? Não. O voo não foi directo. Assim, surpresa, pela primeira vez pisei a Ilha do Sal, em Cabo Verde. Meia estonteada de emoção, olhar as escadas do avião enquanto descia era imperioso, mas espreitar à volta, também. Ainda não tinha amanhecido mas ficou-me para sempre a sensação primeira do bafo húmido no ar, que se pegou à pele. Tudo era novidade. Não tinha com quem trocar impressões. Lembro uma paisagem sem fim, esbranquiçada, árida. Ficou-me também a simpatia dos brancos sorrisos na pele crioula, do enorme espaço coberto para onde nos dirigimos e dos homens fardados, em conversas, à espera de embarcar. Estavamos ali, os miúdos em grupo, a olhar, quando houve alguém, fardado, que apareceu com garrafas de água e copos. Bebam pouca, para não enjoarem, foi a dica. Como me lembrei disto? Foi uma paragem rápida, uma hora se tanto. O tempo para abastecer o avião e continuar viagem. É o que lembro.
Ir a sério a Cabo Verde é um sonho para concretizar. Um dia. Pisar com outros olhos aquele País pequenininho. Sentir os cheiros. Vibrar com as cores. Entretanto, ouço mornas e coladeias.
Das muitas vozes de Cabo Verde que aprecio, que cantam temas em crioulo, em português ou em francês, escolhi esta, forte e melodiosa. A de Lura. O poema é em crioulo, por isso salpicado de português, e por isso, prestando atenção e buscando semelhanças, mesmo sem saber crioulo, entendemos a estória. Acho-a linda! Experimentem.
Tenham uma boa noite.

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