Mar chão e vento de feição


Navio Republicano Português Sagres ou Navio Escola Sagres? As duas coisas.
Uma vez por ano e lá ia. Durante 3 meses ficávamos sem ele. O Senhor meu Pai começou a sua vida de Marinheiro na Sagres e terminou a sua vida de mar como o homem do apito, ou seja, como Mestre do Navio.
Esta é a primeira vez que Sagres vai fazer uma viagem à volta do Mundo. Quase 1 ano a pavonear-se pelos Oceanos, o vaidoso. Imagino quem o espera nos diversos portos por esse mundo fora. Inesquecível estar num qualquer porto e olhar e ver esse veleiro de velas brancas, com as Cruzes de Cristo encarnadas, enfunadas, em todo o seu esplendor, a atracar. O movimento braçal dos marinheiros, a subida aos mastros, as velas a descerem, as vozes, um apito a comandar estas manobras ... só estando lá a assistir, para recordar toda a vida. E depois de atracado e amarrado ao cais, subirmos as escadas e entrar, pés no convés do navio. E mexer no cordame, nas madeiras envernizadas, nos latões. Descer e subir escadas de degraus estreitos e íngremes, mãos agarrando ambos os corrimões, em corda. «Desce como sobes, custa menos ... »
Inspirar e deixar que a imaginação nos leve por instantes, de viagem...

Lembrei-me de Fausto, que escreveu:

Já tenho a vela enfunada / Marrano sem vergonha / Judeu sem coisa sem fronha / Vou de viagem ai que largada / Só vejo cores ai que alegria / Só vejo piratas e tesouros / São pratas são ouros / São noites são dias // Vou no espantoso trono das águas / Vou no tremendo assopro dos ventos / Vou por cima dos meus pensamentos / Arrepia / Arrepia / E arrepia sim senhor / Que vida boa era a de Lisboa // O mar das águas ardendo / O delírio dos céus / A fúria do barlavento / Arreia a vela e vai marujo ao leme / Vira o barco e cai marujo ao mar / Vira o barco na curva da morte / Olha a minha sorte / Olha o meu azar.

Que os ventos e marés lhes sejam favoráveis. Que tragam estórias para contar, a quem os gostar de ouvir, até morrerem de velhice.

2 comentários:

Elvira disse...

Olá. É preciso, sim senhor, promover Portugal no estrangeiro!
Não sabia desta viagem de 11 meses empreendida pelo Navio Escola Sagres - acho que era este o nome que o meu pai falava. Lembrei-me, a propósito desta tua estória, de ser pequenita e estarmos todos em casa de teus pais, no Natal, à espera de ouvir - e ouvimos, o senhor teu pai de lá, longe, não me recordo, dar a sua mensagem de Boas Festas à família através da RTP1. Que ansiedade, principalmente vossa!
Desta música do Fausto não me recordava muito bem, mas identifiquei-a ao ler alguns dos versos. E lembrei-me de uma outra, dos Sitiados - "Esta vida de Marinheiro".
Gosto das músicas do Fausto em geral, mas neste momento só consigo recordar-me da "Rosalinda" - se tu fores à praia/se tu fores ver o mar/cuidado não te descaia/o teu pé de catraia/em óleo sujo à beira-mar... e não sei mais.
Beijo. Elvira.

Guidinha Pinto disse...

Estórias partilhadas, nossas, que vamos buscar no cantinho mais recondito so nosso cérebro, quando vemos imagens e as conhecemos.
Beijo Prima Elvira ;).