A sorte esteve comigo

Pois foi. Depois da participação à Polícia senti-me vazia. Não tinha um único documento na minha posse que me identificasse. Dormi mal. Não descansei meu corpo nem a minha cabeça. Só durante a madrugada (já se ouvia algum movimento de carros na rua) é que ferrei mesmo. Acordei sobressaltada às 9 e picos. Levantei-me e liguei o telélé - não fosse um anjinho telefonar-me - e comecei os meus afazeres matinais.
Cerca das 9 e meia o telélé tocou. Olhei e não reconheci o número. Atendi: Estou? Do outro lado uma voz masculina respondeu: é a dona fulana de tal? Sou, respondi quase a sorrir, com o coração disparado. Vai de novo a voz: estou a ligar-lhe do Oculista "Opticlasse", ao lado da pastelaria "Califa", sabe onde fica? A senhora perdeu alguma carteira? É que estavamos a abrir a porta e encontrámos um porta documentos com cartões e outras coisas entre a grade de segurança e a porta ... Sim, disse-lhe, perdi ... Pensámos se lhe roubaram a mala também levaram o telemóvel, não pode atender... estavamos a pensar entregar à Polícia, mas como atendendeu ...
Há momentos na minha vida em que digo só - obrigada. Em voz alta para quem me ouve e para dentro de mim. Simplesmente agradecer. O nome da voz, João. Que bem que me soube ouvir aquela voz. Liguei à mãe, à sogra, às amigas que ontem me tinham aturado no meu padecer - Apareceu! disse-lhes. Acordei Marido: Apareceu!
Daí a uma horita, estavamos no passeio da Pastelaria e do Oculista. Comprei um bolinho-rei. Dei uns passos mais e entrei no local indicado. Um jovem senhor, de bata branca vestida e um sorriso na cara dirigiu-se-me porque me identificou mal nos olhámos. Apertámos as mãos com um aperto de cumplicidade. Contou de novo toda a história. Pareceu-me contente consigo mesmo. Encaminhou-me para uma bancada e retirou de uma gaveta a minha carteira castanha. Estendeu-ma. Abri-a. Lá estavam os cartões todos. Dentro de um dos compartimentos com fecho de correr aberto, estava uma nota de 20€, dobrada, bem encaixada no fundo ao lado de outros cartões menos importantes. Eu nem me lembrava dela. Não deram com ela. Não a levaram. Mas os cartões eram mesmo o mais importante.
Agradeci comovida, de novo com um aperto de mão, ofertei o bolo como prova do meu reconhecimento e consideração e desejei-lhe Boas Festas.
Um bem-haja senhor João. Com o seu acto confirmo aqui que afinal não somos todos ladrões, não senhor.
PS: Os nomes do Oculista e da Pastelaria ficam, sem intenção de publicidade. A Pastelaria não precisa. É muito boa mesmo. O Oculista ... tem um senhor João muito bonito lá dentro, que eu preciso não esquecer.

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