Somos um País de Alcapones?

Porque sou obrigada a viver aqui, no «País de sucateiros», crio paredes e afasto-me deste estado de coisas. Não as quero ouvir, causam-me engulhos, não as compreendo, não as comento, faz de conta que não percebo a língua ... e ouço música. Do não querer ouvir à realidade diária,vai um passo de distância. Leio aqui e ali umas coisitas. Por exemplo, este artigo de Mário Crespo, Os intocáveis, descreve com as palavras certas, o sentido da via-única que nós estamos a percorrer, sem inversão de marcha ou sinal stop à vista. Sinto-me envergonhada por estes Alcapones-da-sucata. Acredito que hajam os Eliot Ness, Jim Malone, Oscar Wallace e George Stone portugueses, que querem cumprir a Lei para os apanhar e que não vão morrer como no final do filme. Mas também imagino, pelo que se tem passado, que os Alcapones vão por cá ficar, numa estranha convivência com a política, a economia e as finanças. Lamento por todos os outros onde me incluo, os limpos, os de carácter, os de vergonha na cara. Mário Crespo descreve assim:

«O processo Face Oculta deu-me, finalmente, resposta à pergunta que fiz ao ministro da Presidência Pedro Silva Pereira - se no sector do Estado que lhe estava confiado havia ambiente para trocas de favores por dinheiro. Pedro Silva Pereira respondeu-me na altura que a minha pergunta era insultuosa.
Agora, o despacho judicial que descreve a rede de corrupção que abrange o mundo da sucata, executivos da alta finança e agentes do Estado, responde-me ao que Silva Pereira fugiu: Que sim. Havia esse ambiente. E diz mais. Diz que continua a haver. A brilhante investigação do Ministério Público e da Polícia Judiciária de Aveiro revela um universo de roubalheira demasiado gritante para ser encoberto por segredos de justiça.
O país tem de saber de tudo porque por cada sucateiro que dá um Mercedes topo de gama a um agente do Estado há 50 famílias desempregadas. É dinheiro público que paga concursos viciados, subornos e sinecuras. Com a lentidão da Justiça e a panóplia de artifícios dilatórios à disposição dos advogados, os silêncios dão aos criminosos tempo. Tempo para que os delitos caiam no esquecimento e a prática de crimes na habituação. Foi para isso que o primeiro-ministro contribuiu quando, questionado sobre a Face Oculta, respondeu: "O Senhor jornalista devia saber que eu não comento processos judiciais em curso (…)". O "Senhor jornalista" provavelmente já sabia, mas se calhar julgava que Sócrates tinha mudado neste mandato. Armando Vara é seu camarada de partido, seu amigo, foi seu colega de governo e seu companheiro de carteira nessa escola de saber que era a Universidade Independente. Licenciaram-se os dois nas ciências lá disponíveis quase na mesma altura. Mas sobretudo, Vara geria (de facto ainda gere) milhões em dinheiros públicos. Por esses, Sócrates tem de responder. Tal como tem de responder pelos valores do património nacional que lhe foram e ainda estão confiados e que à força de milhões de libras esterlinas podem ter sido lesados no Freeport.
Face ao que (felizmente) já se sabe sobre as redes de corrupção em Portugal, um chefe de Governo não se pode refugiar no "no comment" a que a Justiça supostamente o obriga, porque a Justiça não o obriga a nada disso. Pelo contrário. Exige-lhe que fale. Que diga que estas práticas não podem ser toleradas e que dê conta do que está a fazer para lhes pôr um fim. Declarações idênticas de não-comentário têm sido produzidas pelo presidente Cavaco Silva sobre o Freeport, sobre Lopes da Mota, sobre o BPN, sobre a SLN, sobre Dias Loureiro, sobre Oliveira Costa e tudo o mais que tem lançado dúvidas sobre a lisura da nossa vida pública. Estes silêncios que variam entre o ameaçador, o irónico e o cínico, estão a dar ao país uma mensagem clara: os agentes do Estado protegem-se uns aos outros com silêncios cúmplices sempre que um deles é apanhado com as calças na mão (ou sem elas) violando crianças da Casa Pia, roubando carris para vender na sucata, viabilizando centros comerciais em cima de reservas naturais, comprando habilitações para preencher os vazios humanísticos que a aculturação deixou em aberto ou aceitando acções não cotadas de uma qualquer obscuridade empresarial que rendem 147,5% ao ano. Lida cá fora a mensagem traduz-se na simplicidade brutal do mais interiorizado conceito em Portugal: nos grandes ninguém toca.»

Haja Vergonha!

2 comentários:

Goiense disse...

Cara Guidinha Pinto,
parece que essa coisa da "SUCATA" tambem era algo para investigação na C. Municipal de Gois,mas o que se pode fazer?!
Segundo se consta são trazidas peças de algum valor ca para fora,como fossem lixo e depois são reparadas e TORNAM_SE a VENDER a Câmara como novas!...mas se fosse so isso!
Aonde vai parar o "nosso Portugal?

Ora agora comes tu
Ora agora como eu
Mas se não te mexes
Quem come tudo sou eu!

Guidinha Pinto disse...

Onde vamos NÓS, as pessoas, os portugueses. Há muito diz que disse. E aqueles que fazem e os que sabem e nada fazem...
É um deixa andar, é a lei do menor esforço, do salve-se quem puder, quem não quiser não é ESPERTO.
E a todos esses sacripantas, o povinho tira o chapéu e lança olhares de inveja - ai se eu pudesse...
É assim que somos senhor anónimo. Quero distância desse tipo de gente.
Fique bem.