Momentos (I)

Placa na parede exterior da Capela da Nossa Senhora dos Milagres, em Cerdeira de Góis
Interior: Ala lateral direita
Ala lateral esquerda
Capela da Nossa Senhora dos Milagres. 4ª. feira, dia 16 de Setembro de 2009. Celebração de Missa em intenção de Luís.

Tocou à minha porta a Prima Aurora. Depois dos olás e beijo do costume, convidou-me, com uma lagrimita a querer saltar-lhe do olho, de um verde lindo, a estar na Capela às 6 da tarde, mesmo sabendo que não eu não era de missas, mas que se não me dissesse eu poderia levar a mal: *Se o meu Luís aqui estivesse, fazíamos as bodas de ouro hoje. Ó coisa, até o dia é o mesmo, quarta feira*. Senti um nós na garganta. *Casaram numa 4ª. feira?* perguntei. *Foi. Era o dia que melhor calhava ao teu tio fechar a porta da taverna*. Rimo-nos. Dei-lhe um abraço apertado e respondi-lhe que iríamos, com muito gosto. *Eu lembro-me do vosso casamento!* Fiz contas rapidamente e confessei *tinha 6 anos*! Ai Aurora, como o tempo passa. E vi-me de vestido branco cintado e franzido, forrado e com saiote para o armar, com uma gola redonda que descia até aos ombros e ao peito com rosinhas bordadas a toda a volta, sapatos e soquetes de renda brancos. E um casaquinho em malha, branco, com as mangas arregaçadas, que o Setembro de há 50 anos era mais frescote. Tinha ido com meus avós, Olinda e Manuel.
Assistimos à celebração. Não tomei atenção à ladainha, mantive-me ao fundo da Capela, junto à porta e o pensamento voou para outras celebrações a que assisti e para outros que já se foram. Uma frase de A. L. Antunes veio-me à idéia: deviam chover lágrimas quando o coração pesa muito e há momentos palavra de honra que pesa.

Quando terminou, saímos e aguardámos no átrio que Aurora fizesse contas e fechasse a loja. Entre risos e recordações, naquele momento num fim de tarde ameno, parecíamos de facto irmãos, filhos de um pai omnipresente.

Alguns de nós mantivemo-nos em conversa alegre e fresca, aguardando que o senhor Padre Carlos seguisse o caminho de Góis, a sua paróquia. Já desparamentado, apresentou cumprimentos e tratou alguns pelo nome despedindo-se com um aperto de mão. Fitando-me, referiu que não recordava a minha presença noutras missas, se eu seria dali. *Sou Margarida, muito gosto*, apresentei-me, *e não senhor Padre, não sou de cá, só cá venho passar férias e não tenho por hábito assistir à missa*, disse-lhe com o meu melhor sorriso. *Mas devia*, retorquiu, com um sorriso também. O sorriso ficou nas nossas expressões. Até à próxima, despediram-se em voz alta. Mais uns beijinhos à Aurora. *Boa noite*, acenámos, *até amanhã*. Cada um seguiu para suas casas, que a hora da janta não tardava e o estômago humano não se alimenta de hóstias.

Simpático o senhor Padre de Góis, concluímos já dentro do carro. A noite ficou mais leve e custou menos a passar à senhora minha prima, com nome de nascer do dia.

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