Northfork

Acabei de assistir a um filme - Northfork. Marido comprou *em saldo*, na lojinha da São, aqui ao lado. Sentei-me em frente ao computador, abri a gaveta dos DVD's, cocoquei o cd e liguei as colunas de son. Recostei-me no cadeirão. Nem mais.

O recado geral parece ser “salvar uns idiotas de morrerem afogados”. À volta deste tema, os Irmãos Polish, transmitem-nos mensagens, nostalgia e algum humor. No final, ficaram na minha mente alguns sorrisos, uma lagrimita e a sensação de uma espécie de indiferença vivida por toda aquela gente. Sem comoções, como se a mudança nas suas vidas se dessem porque um ser superior quis, abandonando-os depois à sua sorte.

Foi mais ou menos assim: 1955, Northfalk (1776-1995), uma aldeia com quase 300 anos, em terras do Minnesota, "o sítio que Deus criou em último lugar", vai deixar de existir. Vai ser inundada e dar lugar a uma central hidroeléctrica. Vai desaparecer da face da Terra, tal qual a nossa Aldeia da Luz, por terras do Alentejo e do Guadiana. As exumações, estão na ordem do dia. Os resistentes à mudança, também. Por lá, houve anjos da guarda - nos chapéus pretos, uma peninha branca de pato - cuja missão era convencer aqueles idiotas a deixar as suas terras e as suas convicções, em troca de uma mala preta que aberta continha um par de asas, porque o divino assim quis.

Um menino morre. Ele representa a cidade. O menino, órfão, esquecido por seus pais adoptivos e doente, é protegido pelo Padre Harlan (grande Nick Nolte!). Nos seus delírios febris, cria um grupo de figuras, do seu imaginário "Flor de Hércules, Chávena de Chá, Bacalhau e Feliz" que procuram O Anjo para sua redenção. Encontram-se, o menino é o Anjo por obra e graça divina e no final embarcam os 5, felizes, num voo de avião ao entardecer. Mas a mensagem é o abandono. Sem saber quem o leva ou para onde vai ...

A propaganda oficial diz oferecer eletricidade, lazer e recreação ao povo. Por outro lado, existe o processo de valorização das terras. Os comissários (6 homens de tons cinzentos e de chapéus pretos que trabalham em pares) estavam interessados em esvaziar o grupo de casas - 65 casas por par. Porém existe o conflito entre o que estão a fazer e entre o que vão obter: vale a pena uns hectares à beira do futuro lago, como forma de pagamento, existindo um cheiro de morte no ar devido às exumações?

Assistimos aos meios utilizados pelo comissários. São vários:
- a intimidação demonstrada no caso da interrupção da intimidade de um casal dentro do seu quarto e a seguir o despejo dos seus móveis pela janela fora;
- a exploração das convicções religiosas e seus conflitos e nuances familiares (ao se encaminharem para a arca, os dois comissários comentam se haverá dois de cada lá dentro) - as duas mulheres do dono da arca eram as mais frágeis do triângulo familiar, mas as asas dentro da mala preta eram o sinal divino de que algo deveria ser feito, antes de chegarem as águas. Que outro sinal precisaria aquele homem e as suas duas mulheres para abandonar a arca? A presença dos dois comissários era o simal divino de que estavam à espera. Tinham de abandonar a arca ou morreriam (e os dois comissários não receberiam pagamento algum, no final, claro);
- As cruzes nas portas das*casinhas* demonstram a vida religiosa dos moradores, mesmo quando se aliviam das suas necessidades;
- A questão da propriedade e da sua desapropriação por ser algo muito forte, os comissários são recebidos a tiros por um cidadão que pregou os próprios pés no chão do alpendre da sua casa;
- Os acidentes fatais na construção civil, são um mal necessário. São apresentados e comentados como um monumento de homenagem ao progresso;
- A vida mais simples dos agricultores é menosprezada por alguns dos comissários. Comentam que há dois tipos de pessoas: as que têem Buicks e as que têem Fords. Eles conduzem Fords. E bastou um simples risquinho num dos carros - o primeiro risquinho - para que o seu dono comentasse deveras desesperado, quase a desanimar: *Passa-se uma vida inteira a dar brilho ao carro, depois vem uma pedrinha e lá se vai todo o esforço por água abaixo*.

No final do trabalho feito, no cimo daquele imenso vale, eles observam. Tudo será inundado. E apesar das expropriações terem sido todas feitas, é a indiferença deles ao sofrimento causado a 195 famílias que é patente, ao afirmarem: Minessota poderia ser anexada ao Canadá, com Wisconsin de brinde.

Não será um dos meus filmes preferidos, mas tem mensagens e eu entendi-as.

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