No final da festa, os homens começaram a cantar umas pimbalhadas. Nada de especial, eles que me perdoem. Estando elas, as raparigas da minha criação todas ali, todas sobrinhas da minha prima Júlia… porque não? pensei. ‘Olhem lá, vocês não se lembram das cantigas do antigamente? Vá lá, cantem que eu gravo que é uma pena esquecerem-se’. Risos e treinos. E arrancaram.
A primeira é a moda da inauguração dos chafarizes. Tem uma estória. A festa da padroeira do Lugar – Nossa Senhora dos Milagres – é em Agosto. Aquela era uma terra cheia de gentes de lá e vindas de Lisboa, onde ganhavam o pão. Nos anos 50-60, inauguraram os chafarizes, dispersos pelas ruas, penso que num Agosto. Deve ter havido festa a sério, com a pompa e a circunstância da época. Eu era uma garotinha em férias de Verão. Apenas recordo as “primas de lá” vestidas com uma espécie de bibes verdes e a cantarem. Elas que me perdoem, se calhar eram batas ou vestidos… só me lembro realmente da cor. Verde água. E da cantiga também.
Como era de praxe, com a chegada do Senhor Presidente (da Comissão de Melhoramentos, claro) e talvez da Câmara (???) também, elas, as muitas raparigas que nesse tempo lá viviam, cantaram. E deram vivas ao Presidente. Sinais dos tempos?
Por aquelas bandas, quando não havia tocador, elas, como boas beiroas-baixas que eram e ainda são, cantavam, com palmas, com gestos … as Modas Secas.
Perguntei agora quem fazia aquelas letras, quem as ensinavam e todas responderam quase em uníssono “a senhora”. A senhora foi a Senhora Albertina, professora da Escola Primária da Cerdeira de Góis. Eu conheci-a. Muito redondinha, para o baixo e clarinha, educada como uma professora deve ser, era muito dedicada àquelas gentes. Veio de uma terra perto de Coimbra para ali, para dar aulas aos meninos de lá. Aquela terra é pequenina, mas teve Escola Primária. Ainda lá está, mas já não o é. Mas isto é outra estória.
Volto às Modas Secas. Estas “primas” deste filminho e dos outros que estão publicados a seguir, são irmãs mais novas e da geração seguinte às que originalmente as cantaram. Eu, menina de Lisboa sei-as todas, mas nunca cantei nestes grupos que se organizavam de instantâneo nos Agostos. A minha voz, embora afinada, sempre foi suplantada pelas lindas vozes delas. E dançávamos ao mesmo tempo! Aquilo é que foram tempos felizes.
Elas, que foram quase todas nascidas e criadas lá, ainda as sabem. Raparigas, quase todas avós. A meu pedido, bastou treinarem um pouco para sair melhor no filminho. Afinal iam para a internet, avisei. E assim recordei e matei a saudade desses tempos em que pobretes mas alegretes, jovens, sem luz eléctrica, sem água em casa, com matos frescos a forrarem as ruas, uma Lua de Agosto a iluminar a eira ou a Via Láctea a indicar caminhos, estes timbres de vozes a cantarem estas letras singelas… já lá vão cerca de 50 anos.
Agora para terminar. Bem hajam Isabel, Aurora, Celeste, Odete e Julieta por terem entrado nesta brincadeira. Um beijo meu para todas vós.
4 comentários:
Olá Guidinha
Certamente os "pobretes mas alegretes", havia-os por todo o lado, a minha mãe também diz:"pobrete mas alegrete, eh eh eh .
Adorei a reportagem cas canções do antigamente, que bom ter com quem partilhar esses tempos em amizade e camaradagem.
Bem Hajam.
bjs
Guida
É mesmo bom, enquanto dura ...
Beijo.
GUIDINHA, os Chafarizes e os bebedouros para o gado na Cerdeira, foram inaugurados no mês de Novembro de 1958! Acontecimento de grande alcance, tendo em conta que naquela época, as populações abasteciam-se de água nas fontes de chafurdo, sem nenhum controle sobre a sua qualidade, ou falta dela! Além das meninas que referiu, tenho que referir uma em especial, a Clarisse, que na época, era uma das raparigas mais bonitas da Cerdeira. Quanto à saudosa D. Albertina, tive o privilégio de a ter como madrinha, com quem mantive sempre, quer em criança, quer já em adulto, uma relação muito amistosa e mutuamente carinhosa.
Grata Alberto, pelo seu comentário. A Clarisse, continua a ser uma das mulheres mais bonitas da Cerdeira. Não a incluí porque não esteve no grupo que filmei a cantar. Sei, porque tenho a memória desse evento, no entanto, que eu assisti a uma festa de «inauguração» dos chafarizes e em Novembro de 58, tinha eu 5 anos, não me estou a ver lá. Por causa do frio... Será que re-inauguraram os chafarizes no querido mês de Agosto?
Quanto à Senhora Dona Albertina, já me tinha «contado» que era sua madrinha e também sinto saudades dela... emanava simpatia e não só, eu «brincava» com a filha mais nova, a Julinha. E como sabe, o Ti Alberto, já viúvo, era visita da casa, quando meus Pais estavam por lá. As ameixas com que nos presenteava, são inesquecíveis :)
Foi bom recordar.
Um abraço.
Enviar um comentário