Para Henrique, o tal poema

Foto de GuidinhaPinto: Nau, um pontinho no Oceano Atlântico


Lá vem a Nau Catrineta

Que tem muito que contar!

Ouvide agora, senhores,

Uma história de pasmar.


Passava mais de ano e dia

Que iam na volta do mar,

Já não tinham que comer,

Já não tinham que manjar.


Deitaram sola de molho

Para o outro dia jantar;

Mas a sola era tão rija,

Que a não puderam tragar.


Deitaram sortes à ventura

Qual se havia de matar;

Logo foi cair a sorte

No capitão general.


- "Sobe, sobe, marujinho,

Àquele mastro real,

Vê se vês terras de Espanha,

As praias de Portugal!"


- "Não vejo terras de Espanha,

Nem praias de Portugal;

Vejo sete espadas nuas

Que estão para te matar."


- "Acim, acima, gageiro,

Acima ao tope real!

Olha se enxergas Espanha,

Areias de Portugal!"


- "Alvíssaras, capitão,

Meu capitão general!

Já vejo terras de Espanha,

Areias de Portugal!


Mais enxergo três meninas,

Debaixo de um laranjal:

Uma sentada a coser,

Outra na roca a fiar,

A mais formosa de todas

Está no meio a chorar."


- "Todas três são minhas filhas,

Oh! quem mas dera abraçar!

A mais formosa de todas

Contigo a hei-de casar."


- "A vossa filha não quero,

Que vos custou a criar."


- "Dar-te-ei tanto dinheiro

Que o não possas contar."


- "Não quero o vosso dinheiro

Pois vos custou a ganhar."


- "Dou-te o meu cavalo branco,

Que nunca houve outro igual."


- "Guardai o vosso cavalo,

Que vos custou a ensinar."


- "Dar-te-ei a Nau Catrineta,

Para nela navegar."


- "Não quero a Nau Catrineta,

Que a não sei governar."


- "Que queres tu, meu gageiro,

Que alvíssaras te hei-de dar?"


- "Capitão, quero a tua alma,

Para comigo a levar!"


- "Renego de ti, demónio,

Que me estavas a tentar!

A minha alma é só de Deus;

O corpo dou eu ao mar."


Tomou-o um anjo nos braços,

Não no deixou afogar.

Deu um estouro o demónio,

Acalmaram vento e mar;


E à noite a Nau Catrineta

Estava em terra a varar.




A NAU CATRINETA in Romanceiro de Almeida Garrett, Circulo de Leitores, Abril de 1997, pp. 272 a 274.

2 comentários:

Anónimo disse...

Muito obrigado Margarida, pelo poema, espero em breve facultar a nau e outras coisas fotográficas a vós.

Beijinhos

Henrique

Guidinha Pinto disse...

Fico à espera ;)
Beijo.